CAMPO DE PESQUISA
SAÍDA DE CAMPO PARA BUCOS- CASA DA LÃ
Durante um mês propus-me fazer uma residência artística na Casa da Lã, situada na pequena povoação de Bucos, em Cabeceiras de Basto, no norte de Portugal. A Casa da Lã é uma associação constituída por mulheres, que se propõem trabalhar a lã, fazendo todo o processo desde a tosquia das ovelhas até à obtenção do fio, tecendo-o depois, em teares antigos. O tratamento da lã, comporta inúmeros processos trabalhosos, que transformam o manto de lã acabado de tosquiar, chamado velo, em fibra lavada e penteada. Esta fibra é depois fiada, ou seja, transformada em fio e tecida nestes teares manuais. Todas estas mulheres têm outras ocupações, mas reúnem-se neste local, uma vez por semana, durante todo o ano, para este trabalho comunitário.
Manelo é o nome que se dá, nesta região, a uma porção de fibras de lã, prontas para serem fiadas. Numa procura no dicionário Priberam, encontro para a palavra manelo: “pequena porção de coisas que pode abranger-se numa mão. Pequeno volume de estopa ou lã depois de penteada. Estriga enleada numa roca. Na origem etimológica é referido: mão na forma e mão + elo”. Ao observar as mulheres a fiar, percebo a complexidade deste gesto, que se executa na sintonia completa entre a mão direita e a mão esquerda, o manelo, e fuso. O processo de fiar, embora parecendo simples, requer muito tempo de experiência, até se conseguir a sincronia total do gesto e do corpo num trabalho uníssono. Enquanto fia, uma das mulheres tenta transmitir-me verbalmente o processo:
“ - A função do fuso é torcer e a mão de cima tem que dar a lã ao fuso...é uma sintonia. O fuso anda assim e esta mão tem que ir para o mesmo lado, dá-se um jeito assim. O manelo é posto na roca e começa-se a tirar a lã aos pouquinhos. O irregular é que lhe dá a beleza. Aprendi quando era pequena, uma pessoa aprende sozinha. “


INVESTIGAÇÃO GUIADA PELA PRÁTICA
A partir do contacto direto com as técnicas e processos ancestrais da tecelagem, e com o estar neste lugar isolado da serra da Cabreira, iniciei um processo de procura de relações entre o têxtil, a natureza e o meu corpo. Que constitui o centro e o motor da investigação. Considero esta investigação uma investigação incorporada, que acontece pela prática, e que o resultado é a própria prática e o objeto artístico. É portanto uma investigação prospetiva, ou seja uma reflexão para a “frente”, em cima do que está a acontecer, e do que ainda vai acontecer. O que me interessa é o que produzo como fruto da investigação em curso, e não tanto aquilo que já produzi.
Que novas poéticas podem surgir no meu trabalho, a partir articulação entre as práticas ancestrais e as práticas contemporâneas? Como é que o processo artístico que emerge do contacto direto com estes lugares, com os materiais naturais, e formas de fazer manuais, podem configurar relações entre arte natureza e cultura?
A tecelagem manual é uma das técnicas mais antigas conhecidas, constitui um método de formar um plano maleável de fios que se intersectam ortogonalmente. Este sistema inventado numa idade pré cerâmica, permanece inalterável nos seus fundamentos. O tear dá a possibilidade de fazer passar um conjunto de fios, a teia, através de outro conjunto de fios de tramas, que se levantam alternadamente para formar um tecido básico plano. Foi a partir deste processo binário e unidirecional que executei esta peça com a ajuda das tecedeiras, usando o processo da tecelagem em sentido inverso, isto é, o processo dá-se, não por acumulação ou passagens dos fios , mas por redução do tecido a tiras, que depois voltam para o tear a fim de serem novamente tecidas.
CHAMO E ESTE PROCESSO TECELAGEM INVERSA. A questão do inverso, pode ver-se no desenho e na pintura como o espaço negativo, na escultura, representa o que se retira de um qualquer volume ou espaço. O avesso é portanto aquilo que não é visto, que está escondido, que tem supostamente menos valor. Em qualquer têxtil existe um avesso e um direito, e esta relação material está intimamente ligada com o conceito que nomeia.
DESENHO
O desenho nesta investigação aparece em várias dimensões, como um “impulso irresistível” que corresponde à projeção do meu corpo sobre o objeto que desejo conhecer, podendo corresponder à observação detalhada de uma pedra de uma planta, de qualquer coisa que encontro no caminho de uma saída de campo. Ser apenas um registo ou marca sobre o papel que captura uma mancha de cor. Pode apresentar-se como um desenho limiar, que me ajuda pensar a articulação dos materiais e formas. Mas também pode apresentar-se sob a forma de um desenho autónomo livre de qualquer função operativa.

CURAR RAIZES
Com este gesto de reparar com agulha e linha, as raízes de uma planta que cultivei no terraço do meu atelier, pretendi salientar a importância do gesto manual e artesanal, que é muitas vezes percecionado como um gesto silêncio e sem significado. Além disso, esta pequena ação performativa, pretendeu também evocar uma relação de cuidado com a natureza, relembrando o quanto delicado pode ser um toque.